Duas grandes organizações profissionais, a Australian Medical Association (AMA) e a Pharmacy Guild of Australia, estão a apelar ao governo australiano para que tome medidas urgentes para combater o que descrevem como um aumento das prescrições online não regulamentadas de canábis medicinal em todo o país.
Numa carta conjunta dirigida ao Secretário de Saúde Mark Butler, os dois organismos alertaram para “práticas de prescrição excessivas e mal regulamentadas”, o uso a longo prazo de esquemas de acesso especial e uma onda de clínicas de telessaúde que distribuem produtos “fora dos caminhos habituais de cuidados”.
As organizações apelam a Camberra para que reforce a governação clínica através de autoridades nacionais de segurança e qualidade, reforce os poderes reguladores da Ahpra e reforme o Programa de Acesso Especial (SAS) de modo a que seja limitado a casos excepcionais sob supervisão médica.
“A rápida expansão da prescrição de cannabis medicinal, particularmente por meio de modelos de telessaúde integrados verticalmente direto ao consumidor, destacou lacunas significativas na estrutura regulatória da Austrália”, disse a AMA.
O professor Trent Twomey, presidente nacional da Guilda de Farmácia da Austrália, alertou: “Estamos testemunhando a operação de um sistema, com prescrições sendo dispensadas sem supervisão clínica apropriada e pacientes contornando seu médico de família e farmacêutico habitual”
Acrescentou que o que começou como uma via especial “tornou-se agora a norma”, com milhares de produtos a serem prescritos sem controlos adequados de segurança, qualidade ou eficácia.
Clínicas de telesaúde sob escrutínio
A ascensão das clínicas online tem desempenhado um papel central nesta transformação. Empresas como a Montu, o maior operador de canábis medicinal da Austrália, registaram um crescimento explosivo. De acordo com o Sydney Morning Herald, um único médico que trabalha para a Montu emitiu 72.000 receitas para 10.000 pacientes em apenas dois anos.
Esta expansão traduziu-se em lucros significativos. O volume de negócios da Montu aumentou de 103.000 dólares em 2020 para 263 milhões de dólares em 2024.
O ministro da Saúde Mark Butler disse estar alarmado com o que descreveu como “comportamento inescrupuloso e potencialmente perigoso” por parte de alguns provedores de telessaúde. “Trata-se de um comportamento perigoso que coloca os lucros à frente do bem-estar dos doentes”, afirmou ao Sunday Morning Herald em julho, alertando para o facto de terem surgido “modelos de negócio de telesaúde que recorrem a publicidade agressiva e por vezes enganosa dirigida a pessoas vulneráveis”.
A Therapeutic Goods Administration (TGA) começou a reprimir a publicidade ilegal. O regulador emitiu dúzias de avisos de violação para várias empresas de cannabis e indivíduos por promoção ilegal de cannabis prescrita em seus sites e redes sociais.
Em setembro, a TGA multou a Dispensed Pty Ltd num total de $118.800 por alegadamente publicitar canábis medicinal em violação da Therapeutic Products Act 1989, incluindo a utilização de termos indirectos como “medicamento de plantas” e “terapias baseadas em canabinóides“.
Um mercado em crescimento ainda dominado pelas importações
Apesar do aumento das prescrições locais, a maioria dos australianos continua a consumir canábis de fontes ilícitas, segundo um novo estudo da Lambert Initiative da Universidade de Sydney. Ao mesmo tempo, o número de pacientes com acesso a produtos de canábis sujeitos a receita médica aumentou significativamente nos últimos anos.
Ao mesmo tempo, as importações australianas de canábis medicinal explodiram. De acordo com dados do Office of Drug Control (ODC), a quantidade total de canábis importada como parte do esquema médico do país aumentou de 45.000 kg em 2023 para 77.000 kg em 2024.
O Canadá continua sendo o maior fornecedor para o mercado australiano, respondendo por 80% do total das importações. As remessas do Canadá aumentaram de 35.941 kg em 2023 para 62.111 kg em 2024, um aumento de 73% em relação ao ano anterior.
As preocupações da Austrália refletem um debate internacional mais amplo sobre a regulamentação da prescrição de cannabis medicinal via telessaúde. A Alemanha está atualmente a considerar alterações para proibir o acesso online ou por telemedicina à cannabis medicinal.